quinta-feira, 26 de junho de 2008

Inverno

Mais uma noite e todo esse inverno lá fora me esperando,com sua boca em branco se escancarando.
Frio muito súbito:pés congelam,ossos mudam de lugar,tecidos interiores se arrepiam.
O que poderia me consolar?Braços?Onde? Mexo os olhos:está escuro.
Arranho as portas,desejando ar,ares para que vaze de mim esse caldo lento e vermelho.
Engulo o tempo,que me engole,imerso nesse mistério esponjoso.Não sei de jardins,impossível comentar as rosas.
Desejo tanto o prêmio de uma canção que me proteja dos ventos, da carência humana,e de novo me lance na terrestre aventura.
Quero,rápido mesmo,tropeçar no dia,esquentar a frieza da casa e deixar-me coser a alma,agora frouxa,desatada.

domingo, 22 de junho de 2008

Recordações

Barulhos da infância,extensos fios de dentro. E o quintal da casa de vovó aparece.Me lembro da menina loura que enfeitiçava a esquina,em guerreiras bicicletas.
Palhaços, balanço,cinemas,chicletes e pipocas.Refúgio e gruta,garota aos 10,12 ,15 anos..Enfim menina,ainda não sabendo das sombras dos rostos descoloridos,das janelas sem vento que as almas suportam.
Voltar de repente a esses ruidos de ontem é desembararaçar-me dos tédios,molhar o rosto na terra plena;é colocar nos olhos o brilho,pingos de euforia,leves alegrias,é sabonetear o coração desmantelar o não.
Venham,meus barulhos da infância sacudir essa moça de tantos sons,deixá-la ao vento das recordações

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Coração Indeciso

Inteira,com olhos há duas décadas fixados no mesmo lugar: passado!
Mas,o coração zumbindo de dor,recomenda:beije a lua,comande as estrelas,atenue o sol,diga as mais belas palavras,soletre amores,comente as dores,mas dance as valsas totais.E dance mais,continue a enrolarar-se sempre nas bandeiras por aí,nas camisas todas,e saia em barcos azuis,voe com gaivotas mais sábias,desmanche nas areias,faça bolos inconfundíveis .
Meu coração,mais amigo diz ainda:desarrume as gravatas vizinhas,cruze as pernas serenamente,brinque com os escândalos,tropece as palavras,se engalfinhe com os corpos em amor.
Mas ele mesmo,o coração me invade de perguntas,me deseja casta e verdadeira,amorosa como os pássaros que ninguém vê!
Inteira,sou a parcela de mim!

domingo, 15 de junho de 2008

Um dia na Casa

Na casa,fragrâncias de alfazema pelo quarto.
Odores de ervas na cozinha,lâmpadas,fósforos. .Chaleira fervendo no fogão.
A casa sintoniza-se:Haydin ,Mozart.Azuis em todo canto.
Menina com olhos de turquesa,diamantes nas palavras ,namoros no sofá,festa brava na cama.
A casa incha-se,enquanto corpos vivem.
Janelas com cortina esvoaçante, fruteira de cobre repleta de carambolas maduras, canto de pássaros na gaiola.
Um quadro de Charles Chaplin na parede e um copo vazio na mesinha de cabeceira.
Choros,Risos ,Suspiros e Gozos!!

sábado, 14 de junho de 2008

Lágrimas

Meus olhos marejam com tanta facilidade que parecem duas pedras cravadas em branco mármore,pequenas bolotas azuis.
Tão tristes quanto umedecidas.
Queria chorar logo,antes que,de tanto conter-me,meus olhos-em vez de lágrimas-rolem feito bolas de gude.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Chegada

O poema não vem.Há febre nos dedos,vertigem na mão,coração trotando,fuzilando e o poema não vem.

Só,carente de versos,entristeço-me no barro da perda,disponho de mim,sem ter-me,ser-me ,porque não sou quando o poema não vem.


Na sala redonda.sem frutos,vejo intensamente rostos iguais:monotonia de lábios,tolos olhos que piscam desnobremente como se tudo já tivessem visto.


Fecho os olhos.surge a mancha branca da vida.Igual à de ontem,modelos das seguintes,traçadas por uma que gira no espaço de um suspiro.Pronto!O poema chegou!

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Quarto

No meu quarto,o armário ali,a cama aqui,um abajour lilás e uma cômoda com espelho.E eu festejava ,quando menina,o reino daquela imobilidade.
Quando a noite descia,meu corpo tecia,medos em multidão.
Havia um vento sinistro que morava na minha janela, e quanto mais insisto mais espanto ainda comela.Do outro lado, a lagoa povoada de monstros.
Quarto de menina! Nele já havia um deserto qualquer, ruídos, trincos que se fechavam, mercado de memórias, viagens escuras, revoltas e quando tudo volta, e neste quarto de hoje se instala, distintos silêncios ainda ouço.
E uma sombra severa toma a janela, e é a menina quem fala, pede, soluça, anseia, sabe que o mundo é teia,e a dor de voltar incendeia.

sábado, 7 de junho de 2008

Blefe Amoroso

Lembro-me da mão dele,suave a desenhar rios no íntimo do meu rosto,como se tudo fosse prosseguir.
Depois,ventos bateram portas,manhãs se escureceram,braços se desmembraram,beijos se esperaram ali,bem no pátio de nós dois.
Paralisia,vôos cortados e eu ainda com essa energia doída,esperando as suaves mãos,que sumiram depois dos montes,curtindo trilhões de saudades.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Devastação

Precisava tanto de ar,de baixas vozes,de saborosas mãos,inquietas,amaciando-me,mas nada!Sozinha no quarto,sussurro:Por favor!Por favor!

Quero atravessar o tempo,romper as janelas,ter espaço para o meu espaço.Não é tanto!

Nesta vida de trilhões de carros,estúpidas buzinas,não é tanto!Ferida,encolhida,escrevo.Que saia dessa mão o que precisa sair:VIDA!
É madrugada!O dia se faz ordinariamente lá fora:nascem os primeiros ruídos:venham logo todas as dores,esses seres de barro que moram em mim,desesperadamente fixos,donos da terra onde plantei minha alma!

domingo, 1 de junho de 2008

Sonhos

Há de tudo na casa dos sonhos:anzóis,trincos,brincos,muitas elas enfeiticidas,vagos indícios da festa ida,chicletes,relâmpagos,uma pedregosa mina,as faces e as esquinas.
E aquele meu ar transado,de gozos infestado,e por onde passam os sonhos.
Logo atrás venho eu mesma,gasosamente a esmo,como se o mundo estivesse ali,impuro e fácil.
Flores reticentes também surgem,amores rugem,curiosas caixas de ferro,onde habitam meus mortos,desfilam almas,me dizem adeus,venha cá,até logo e nunca mais.
Meus sonhos caminham de botas no silêncio do meu quarto.
Palmilho vagarosamente o sonho e a treva de sua essência me assusta.
Sou dele escrava,objeto de seu engenho e se a vida não tenho,que me resta senão sonhar,um sempre desamar,soluços na terra e no mar.( Aninha)